quarta-feira, 3 de julho de 2019

Diálogo de uma terça-feira



...

A:  vc tá bem? ta de férias? tá de chefe? tá de-metida? tá boiando?
P: Tô bem, alergia me derrubou, mas tô em Sampa. Ainda na cama, mas em Sampa.
A: morando aí? vc gosta de um perigo...falando nisso, dia desses o perigo bateu na minha porta. não abri.
P: 😲 Conta!
A: o perigo aí que tá rondando, chamando para almoçar e outros desabafos, mas to me fazendo de besta e só oferecendo o básico. educação e conversa, sendo apenas atencioso mesmo porque é uma boa pessoa precisando de uma orientações. não abro mais a porta. venta demais e eu fico com gripe
P: Ahhh! Pensei que fosse o passado!!!!
A: não não. o passado ficou lá em 2009.
P: Isso mesmo! Acho que não temos mais idade para gripes! Pode nos ser fatal!
A: A sensação do friozinho até que é boa, mas depois o remédio demora a fazer efeito.
P: Exatamente! Você disse tudo!
A: sinal dos anos passando, sinal dos anos
P: Da maturidade também, embora ela falhe às vezes
A: É bom quando a maturidade falha. Não indicado, claro.
A: vc poderia vir trabalhar comigo, né?!
P: Poderia, né?
A: Assim daria para conversar com alguém inteligente, mas que as vezes se permitisse falar abobrinhas
P: Você poderia abonar e vir passar um dia aqui, né?
A: poderia né
P: Amanhã ou quarta?
A: me falta alguém inteligente pra conversar sobre trabalho, sobre profissão...
- agradeço pq é elogio, né!
- Tô aqui, de pijamas ainda, escolhendo uma cantina na Mooca para descer para almoçar.
A: putz
- É nessas horas que eu trocaria minha solitude por uma companhia interessante
A: vou ali comer qq coisa na lanchonete mm
A: cade a companhia de SP?
- desceu em algum ponto. Não vi, estava pegando outros bilhetes
A: ai ai
P: eu não sei administrar esse trem descarrilado que sou eu
A: me faltam palavras, nem de longe sou consultor amoroso...muito menos coaching (palavrinha à toa)
A: espera que alguém está me chamando em outra janela.

...

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

paixões perturbadoras


"Mente calma, a salvo de paixões perturbadoras, é a condição do ser humano em seu estado normal. Não pode a busca do saber ser levada à conta de exceção a essa regra. Se o estudo, por qualquer forma, tende a debilitar nossas afeições, nosso gosto pelos prazeres simples, trata-se então de uma atividade ilícita, que não se ajusta ao espírito humano. Se essa norma fosse sempre observada, se todo homem estabelecesse um limite entre seus misteres e sua vida afetiva, a Grécia não teria sido escravizada, César teria poupado sua pátria, a América teria sido colonizada sem maiores conflitos, e os impérios dos astecas e dos incas não teriam sido aniquilados."

* contemporaneidades de Mary Shelley em Frankenstein, de 1818, considerada a primeira obra de ficção científica da história.



terça-feira, 30 de outubro de 2018

Caminho de volta

Começamos a querer e não paramos mais. brincar na rua, virar a esquina, ir a pé para a escola.
Crescemos e continuamos querendo. Sair sem os pais, paquerar, namorar, sentir o vento no rosto. E assim segue uma sequência infinita de buscas.
Terminar os estudos,
Sexo, bebidas, diversão,
Estudar mais,
O diploma,
A independência financeira, social, política,
Mais vento no rosto,
Será que caso ou faço uma casa?
Que tal os dois!
A vida vai ficando pra trás. Pessoas, lugares, sons, falas, sabores. Tudo no retrovisor, cada mais mais turvo ao passar dos anos. 
A memória luta para selecionar recortes de tempos em tempos, mas desaba diante dos excessos. Imagens, empregos, filhos, casamentos, a casa própria, o aluguel pago com o próprio bolso. Que seja. Assim como esse texto não tem destino, nem disposição visual adequadas, seguimos em um sobrepor de sentimentos, desejos, algumas necessidades. 
Passamos a enxergar menos. Pense na vida como um carro na estrada. Velocidade máxima. A adrenalina, o calmaria de estar sozinho só com seu acelerador. Olhe para os lados e o que vê? Um borrão de verde e marrom e tons de preto e azul é o que seus olhos encontram. Você não vê as árvores, o céu, as nuvens, um lago que ...borrou...

Assim acordei. Sentido a vida como um borrão que se apresenta sem traços definidos nem sentidos que possam fazer sentido algum.

Sigo acelerando, tudo ficando para trás. Falamos menos, nos encontramos menos. Decidimos assim, com sono e fome. Nos satisfazemos com acenos digitais. Somos a carência e a indecência auto criadas. Auto alimentadas e mantidas com o pé no acelerador.

O salário, a viagem, um novo carro, a pintura na casa, a renovação da assinatura da internet, do Netflix, mais boletos e..pé embaixo.

Nada parece deter essa engrenagem que rouba nosso discernimento. Ceifa nossa percepção de que estamos indo de encontro ao muro, ou à perda, ou à queda, ou à morte.

Um dia hei de começar o caminho de volta. E hoje, quando acordei, senti que o ponto de retorno parece estar chegando.

Imagem relacionada
                                                 https://evisual5.wordpress.com/2010/09/21/o-ponto-2/